PARADOXOS
Sentado
na beirada da cama, com a bíblia aberta numa passagem marcada do evangelho, Benjamim
- instantaneamente, como num flash,
num insigth - viu-se diante de uma
realidade que não estava sujeita a explicações lógicas. Antes, pelo contrário,
estava repleta de paradoxos e onde o maior deles era o próprio Deus e o que
restou foi um enorme vazio no peito.
-
Sem dúvida – pensou -, nenhum outro livro tem mais paradoxos do que este. Teve
a nítida impressão de que se o sacudisse, dele cairia uma torrente de coisas
inexplicáveis. Segurando-o entre as mãos, percebeu que segurava “paradoxos”, pensamentos
e argumentos que contrariavam os princípios básicos e gerais que costumam
orientar o pensamento humano, desafiando a opinião concebida, a crença
ordinária e compartilhada pela maioria.
-
Mas, o que era um paradoxo? – Se perguntou e em seguida começou a procurar uma
resposta ou respostas.
-
Um paradoxo é uma ideia contraditória, ou pelo menos, assim parece sê-lo, mas,
também pode ser alguma ideia contrária à opinião aceita, contrária ao bom
senso, ou, meramente contraditória, ou, ainda algo que pareça
autocontraditório. Também pode ser uma ideia ou uma declaração aparentemente
absurda, mas que, na realidade, pode exprimir uma verdade. Por último, podem
ser declarações ou ideias que, efetivamente, são absurdas ou falsas, e,
portanto, “inacreditáveis”.
Com
as rédeas do pensamento soltas, lembrou-se de um filósofo grego místico da
antiguidade que expôs o que ficou conhecido como “paradoxo do mentiroso”, que
dizia: “Se um mentiroso confesso disser: Se estou mentindo, estou dizendo a
verdade?”.
-
Na verdade, não temos certeza sobre o que pensar então – disse Benjamim e logo se
lembrou de outro que veio confundi-lo ainda mais. Este escrevera, em uma das
faces de cartão: “A sentença do outro lado deste cartão é verdadeira”. Virando
o cartão, achava-se a declaração: “A sentença do outro lado deste cartão é
falsa”. Ora, se é assim, que cada um faça a sua escolha – disse para si mesmo.
Para
Benjamim, dizendo-se que uma sentença é verdadeira é dizer que estamos
concordando com uma sentença, mas, se ela exprime, realmente, uma verdade já é
coisa bem diferente. E como podemos ter certeza?
As
pessoas odeiam complicações que perturbem os seus sistemas e Benjamim não era
diferente. Segundo ele pensava, um paradoxo nos deveria levar a fazer a
seguinte admissão: Lamento, mas não sei como dar uma resposta lógica e isenta de
dificuldades a este problema.
A
dificuldade é que aqueles que se dedicam à ciência ou estudo que se ocupa de
Deus, de sua natureza e seus atributos e de suas relações com o homem e com o
universo não gostam de fazer tal admissão. E alguns são extremamente arrogantes
acerca de seus sistemas, reduzindo sua teologia em humanologia – pensava Benjamim.
Por
outro lado, alguns estudiosos assumem a tarefa de mostrar que os paradoxos não
são autocontraditórios. Mas eles só conseguem convencer a si mesmo, e a seus
alunos particulares.
Andando
de um lado para o outro, entrando e saindo de todos os cômodos da casa, ao
mesmo tempo em que pensava, falava.
-
Enquanto eu não for vastamente mais inteligente do que sou agora, e enquanto meu
conhecimento não for quase infinitamente superior do que é atualmente, não poderei
escapar desses paradoxos. A linguagem humana não pode reduzir verdades a
proposições perfeitamente lógicas. Este é um pensamento por demais absurdo para
merecer a minha consideração. Há experiências espirituais que ultrapassam as
categorias da intelecção humana, sendo experiências que não se pode nomear ou
descrever em razão de sua natureza, força e beleza; que não podem ser expressas
em termos da linguagem humana.
Qualquer
tentativa para explicar o Mysterium
Tremendum que é Deus, automaticamente envolve-nos em uma série de
paradoxos... Deus é pessoal ou impessoal? e como? Deus é infinito, mas
manifesta-se no finito? e como? Qual a síntese
verdadeira desses problemas acha-se na Mente divina, mas não na humana? Os
homens têm teses e antíteses. Para efeito de harmonização, as teologias
sistemáticas ignoram alguma tese ou antítese. Mas não são capazes de elaborar
uma síntese apropriada.
Além
disso, ele não aceitava as explicações antropomórficas que os homens oferecem,
na tentativa de explicar Deus. Tais explicações expõem um super-homem, e não um
Ser transcendental. Mas, nenhum de nós realmente compreende a infinitude... E o que fazemos? Usamos essas palavras para
esconder nossa ignorância com declarações aparentemente profundas.
O
mesmo acontece quando falamos sobre o espírito.
Sabemos que se trata de algo bem diferente da matéria, mas não podemos
apresentar boas definições nem da matéria e nem do espírito. E em seguida,
quando procuramos dissertar sobre o Espírito Absoluto, ficamos essencialmente
vazios de descrições; e mesmo quando se consegue balbuciar alguma coisa, isso
fica muito aquém da realidade dos fatos. Somente aqueles que são ingênuos não
conseguem reconhecer essas dificuldades.
Saímo-nos
um pouco melhor quando falamos sobre o
homem. O homem é espírito e matéria. E mesmo assim, a experiência humana e
o misticismo, de um modo geral, têm-nos dado mais descrições sobre os homens do
que sobre o Ser Divino. E o nosso conhecimento científico não tem contribuído
grande coisa para dispersar os mistérios que circundam o ser humano, a sua
origem, a sua vida presente e o seu destino.
Aquele
livro falava sobre o Deus-homem encarnado, chamado Cristo, em sua missão
messiânica. Para Benjamim, isso constitui um paradoxo e algo que somente pode
ser aceito mediante a fé... De alguma maneira inexplicável, o divino e o humano
fundiram-se em um único ser, Cristo Jesus. Mas até hoje ninguém descobriu uma
maneira muito inteligente de descrever essas duas naturezas, tão diferentes
entre si, que podem coexistir em uma
única pessoa. Os estudiosos têm lutado muito para prover algumas úteis definições;
mas é apenas a tentativa de explicar o inexplicável.
E
quanto ao problema do determinismo versus
livre-arbítrio? A questão é a relação entre essas duas realidades. Na história
eclesiástica vemos denominações separando-se de outra em torno dessa questão. Há
grupos ferrenhos defensores do divino determinismo e há outros que morrem pelo
livre-arbítrio humano. Mas, a verdade é que as Escrituras ensinam ambas as
coisas, mas nunca tentam reconciliar esses dois conceitos.
Assim,
o determinismo é a tese; o livre-arbítrio a antítese. E constitui
um autêntico suicídio espiritual quando alguém simplesmente elimina uma face
dessas facetas da verdade revelada.
Ouve-se
muito falar que indivíduos não espirituais vivem uma polêmica ignorante
constante. Mas aqueles que, pela fé, aventuram-se a dar o salto no escuro, para
descobrir a verdade, deleitam-se com aquilo que descobrem.
Quanto
à síntese desse paradoxo, para Benjamim ela só pode existir na Mente divina.
Naturalmente, é possível que, conforme espiritualidade do homem for crescendo,
talvez enquanto ainda mortal (mas muito mais certamente quando já tiver
recebido a imortalidade), que certos paradoxos venham a ser solucionados. Mas,
antes disso, as soluções fabricadas deixavam Benjamim espiritualmente faminto.
Por
causa da diversidade e complexidade da realidade e também em face das limitações
da finita e presunçosa razão humana de conhecer o bem e o mal, os melhores
esforços do homem para vir a conhecer a realidade, levam-no tão-somente a
produzir verdades igualmente razoáveis (ou aparentemente razoáveis), posto que
irreconciliáveis (ou aparentemente irreconciliáveis).
Nesses
casos – pensava Benjamim -, os homens aproximam-se mais da verdade quando
defendem ambos os lados de qualquer
questão paradoxal, em vez de defenderem apenas um lado ou outro da mesma
questão.
Os
homens geralmente buscam mais o consolo mental do que mesmo a verdade, ainda
que a maioria não reconheça isso. Contudo, o consolo mental jamais será
equivalente à verdade.
Alguém
já disse: “Creio porque é absurdo!”. Com isso, ele quis dizer que é uma
estupidez de nossa parte supor que a verdade divina precisa corresponder ao
nosso raciocínio humano. É verdade que há verdades assim; mas há verdades que
estão acima do nosso alcance!
Os
paradoxos ocupam posição proeminente nos escritos de certos autores, que têm
percebido a inevitabilidade dos paradoxos.
Deus infinito, que vive fora do tempo e que não pode ser sondado,
estendeu a mão à mente humana, que é finita, limitada e vive dentro do tempo.
Era o que Benjamim depreendia da leitura daquele livro.
Sendo
assim, somente os olhos da fé são capazes de divisar algo, onde o intelecto
falha totalmente. A fé tateia a verdade real em ideias e circunstâncias; e essa
fé – e apenas ela - compreende que somente a Mente divina tem a síntese dos
paradoxos. E isso significa que essa síntese está à nossa disposição? Dizem que
talvez não para esta vida, não para o homem ainda em sua mortalidade – tal
crença Nietzsche chamou de “muleta metafísica”.
No
entanto, muitos intérpretes, quanto a questões críticas, reconhecem apenas um
polo, quando há dois: o lado divino e o lado humano.
Benjamim
acreditava que o homem que reconhece os “opostos” quanto a certas verdades
fundamentais e procura expor descrições sobre ambos, talvez com alguma
tentativa de reconciliação, é um homem que estará mais perto da verdade do que
aquele que apresenta uma boa descrição sobre um só dos polos, mas
ignorantemente supõe que esse polo não tem o seu oposto natural.
No
mais, deixamos aqui escrita a passagem que deu origem a todas essas reflexões
em Benjamim; ela encontra-se em Mateus, capítulo vinte e dois, versículos de
trinta e sete a quarenta.
“Respondeu-lhe
Jesus: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu
coração,
de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é
o
grande e primeiro mandamento. O segundo,
semelhante a este,
é:
Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois
mandamentos
dependem toda a Lei e os Profetas.”
O
que mais podemos dizer ainda sobre nosso herói? Benjamim buscara a Deus, e,
finalmente, entregara sua alma a uma direta comunhão com Deus, e não tanto a
uma abordagem meramente intelectual.
EP. Gheramer
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