ONDE ESTÁ O MEU PASSADO?


Pintura de Rob Gonsalves


Na adolescência, muitas preocupações eu dei aos meus pais. Não eram muito diferentes daquelas que hoje os jovens dão aos seus pais. Adolescência é adolescência em qualquer época da história da humanidade. Portanto, pais, não se descabelem! Antes, lembrem-se de que já foram adolescentes – embora seus filhos não acreditem nisso!
Tudo passa e chega-se à idade adulta. Estamos por nossa conta – é o que pensamos. Isso também passa, e ficamos a ver navios e entramos na Vida como se espera de um jovem: primeiro estudar e depois, estudar mais para passar no vestibular, tornar-se doutor e, então – mas só depois -, deve arranjar uma moça de família para casar – mas quem é que não é de família?!  Em seguida vêm os filhos e então tudo se repete. Eis a vida, basicamente falando!
Descrevi o básico, as exceções são os acréscimos que cada um dá à sua própria vida. Assim, tirando o mínimo necessário, sobram as exceções e são elas que formam a individualidade, a diversidade de comportamentos, tornando-nos diferentes uns dos outros. É só isso? Sim e não. É quando pode entrar a criatividade, pois, sem ela, você se tornará um consumidor de circo e futebol. Se ela entrar, você fará parte de uma minoria que se volta para a arte que, a princípio, você pensa soberbamente ser formada somente por uma pessoa, isto é, você. Mais tarde você vai ver que não, mas só mais tarde – E, mesmo assim, se Deus quiser!
Encurtando a conversa, na infância eu brinquei, fui à escola e li livros. Depois fui à faculdade, casei, procriei, continuei lendo e escrevendo ficção e hoje...
E agora José?!
Olho para um lado e para o outro, para ver o que ainda não havia feito. Não acho o que não tivesse feito. Voltar para a leitura de livros? Não, cansara-me de ficção. Foi então que percebi que havia uma coisa que eu ainda não havia feito, porque ela só passou a existir depois que nasci e cresci: o meu passado! Mas onde estava o meu passado? Na memória? Não, esta resposta não pareceu bastar para mim. Fui descobri-lo num lugar que eu não havia visitado antes: nos meus Diários.
Foi assim que começou tudo, mas, confesso que até o dia de hoje, em que estou escrevendo este texto, não tem sido fácil! Não, não é o que você pode estar pensando. É cansaço, cansaço e cansaço... Há momentos em que estou relendo e transcrevendo para a tela do monitor as páginas do meu Diário e nelas só vejo angústias, sofrimento e mesmo desespero ali descritos; me dá uma moleza, uma vontade de não continuar... Então eu penso: não sinto mais isso. Eu cresci e isso já passou... Tudo passa.
Percebo que no Diário escrevi sobre as minhas perplexidades, porque delas quem deve tratar sou eu e somente eu. E assim penso que acontece com os outros. Mas, se acontece ou não acontece, não estou capacitado a afirmar – eu apenas acho.
Finalmente, foi procurando por algo que ainda não houvesse visto ou feito que comecei a reler os meus Diários, na expectativa de novas emoções;  numa penúltima tentativa de encontrar algo de novo sob o sol. Não sei se isso vai ou não me acrescentar algo, não precisa acrescentar, porém, é uma novidade – coisa estranha essa de buscar novidade no passado -, mas tudo bem, hoje eu me permito isso e, digo mais, não há nenhum mal em estar a reler sobre os sofrimentos, as angústias e as perplexidades pelas quais um dia eu passei. Acreditem ou não, mas é verdade quando se diz que o passado é passado. Já é suficiente não ter feito nada que pudesse me arrepender. Eu vivi – e continuo vivendo. Por enquanto, estou apenas começando a leitura; ainda tem muito chão para andar no meu passado. Vamos ver no que vai dar.
Muitas pessoas eu fui. Não posso dizer: eu fui assim ou eu sou assim. Não. Preciso mergulhar nesta multidão de “modos” de ser no mundo e cada um correspondente a uma “idade” de minha vida. Eis a minha tarefa atual.
Na semana passada, minha amiga Nádia fez um comentário em uma das Redes Sociais, dizendo que estava ansiosa para que eu publicasse o meu Diário na Internet, para que ela pudesse ler a parte em que eu falaria dela e dos nossos muito queridos amigos do tempo da faculdade.
Eu fiquei a pensar e notei que não registrei os momentos mais felizes da minha vida. E pelo que tenho relido até o dia de hoje, concluo que não os registrei porque não tive tempo para isso, eu estava feliz vivendo aqueles momentos com eles. Como poderia arranjar tempo para escrever?!
Foi então que tomei uma difícil decisão. Para não decepcionar a minha amiga - não publicarei na Internet o meu Diário.
Que a Nádia me desculpe... Esta parte continuará somente em nossas memórias – para sempre!


EP. Gheramer

Site pessoal: Palavras ao Vento



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