Escrever um Livro
Durante muito
tempo a ideia tradicional de que uma obra literária deve ter princípio, meio e
fim, ou, como querem os professores tradicionais: a apresentação do conflito,
seu desenvolvimento e a solução do conflito. Tal ideia tiraniza o espírito
daquele que quer ser escritor, ao ponto de impedir a concretização de seu sonho.
Se cada dia,
ao cair da noite, um ser humano – qualquer um – sentar-se a uma mesa, tendo à
sua frente papel e lápis e se dispuser a transpor para este papel os
acontecimentos do dia, bem como os sentimentos e pensamentos que os
acompanharam, ao chegar ao final de sua vida terá escrito uma obra que, em
virtude do número de folhas poderá ser dividido em diversos volumes. E se é
verdade que a arte imita a realidade, teríamos uma obra como querem àqueles
professores, isto é, com princípio, meio e fim. Tal obra, que pode ser chamado
de “diário”, refletiria a unidade ou não da vida, a existência ou não daquilo
que tanto se discute: se existe destino - a existência de uma finalidade para a
vida de cada um.
Porém, acho
que as pessoas gostam de ver objetivo em tudo, – e principalmente – em suas
próprias vidas e, assim, vamos enganando-nos com obras de ficção que, se
olharmos bem - na sua grande maioria acabam
bem, isto é, “E foram felizes para sempre”.
A cadeia de procedimentos
formais para escrever uma obra literária manteve-se, durante todo esse tempo,
presa a fórmulas. É hora da libertação. O que se ganha com isso? No mínimo,
quando chegar ao fim da vida, saberemos se houve uma unidade nela e se teve
algum propósito. Saberemos se realizamos alguma coisa. Não nos entreguemos mais
a realizações pequenas e passageiras que nos proporcionam a satisfação menor de
haver realizado algo, de ter conseguido qualquer coisa. Não. Penso ser
necessário ver mais longe, viver mais plenamente.
Não criar uma
trama, mas desejar saber se existe, de fato, uma trama. Penso que um bom livro
é aquele que narra experiências comuns a todo ser humano -, não importando se são
experiências triviais, pois, na verdade, para aqueles que passam por elas, elas
não o são - estão carregadas de emoções.
Cada vida
trás em si um livro. Não devemos querer nos iludir com historinhas. Antes,
devemos retirar o véu e enxergar o real. Não devemos, para nossa própria
felicidade, viver de mentiras. Por que pensar que no final tudo acaba bem (ou
mal)? Por que pensar que há um final? Vivemos diversas tramas durante nossa
vida e não somente uma. O que queremos saber é se as uniões dessas pequenas e
numerosas tramas formam uma trama maior e única, a que chamamos de destino.
A maneira tradicional de se escrever um livro
não contribui para o crescimento daqueles que o leem, antes pelo contrário,
embota e ilude, fazendo-os acreditar em padrões de sentimentos e
comportamentos.
Na verdade, a
coesão social, a vida em grupo é beneficiada, pois, evita atritos entre as
pessoas, graças à chamada opinião pública, que empresta uma ideia de harmonia,
mas que, na realidade nada mais é do que conformidade e apatia.
Assim, penso
que desse universo nada de novo pode sair e que contribua para a dignidade do
ser humano. Tal estado de coisas só beneficia (?) a manutenção de uma sociedade
estagnada, em uma época de trevas mentais profundas.
O cigarro
queima no cinzeiro. A Claudiane disse que vai começar a escrever um Diário. Estou à janela e são dez horas. É outono. Sopra uma brisa
suave que vem refrescar meu rosto. Sinto-me leve e tudo parece estar calmo lá
fora. E também dentro de mim. Acho que isso de deve ao fato haver escrito estas
linhas – haver tornado consciente aquilo que ainda não o era plenamente. Acredito
que, na medida em que conseguimos descrever com palavras os sentimentos que
jazem no mais profundo de nosso ser, mais aproximaremos os opostos que lutam
dentro de nós pela supremacia do controle de nossas almas e - quem sabe? -
talvez assim, consigamos a assinatura de um tratado de paz que nos possibilite
ser feliz.
Agora vou
dormir.
Boa noite!
EP. Gheramer
Site pessoal: Palavras ao Vento
Comentários
Postar um comentário