Escrever um Livro



Foto de Oliva Sze


      Durante muito tempo a ideia tradicional de que uma obra literária deve ter princípio, meio e fim, ou, como querem os professores tradicionais: a apresentação do conflito, seu desenvolvimento e a solução do conflito. Tal ideia tiraniza o espírito daquele que quer ser escritor, ao ponto de impedir a concretização de seu sonho.
      Se cada dia, ao cair da noite, um ser humano – qualquer um – sentar-se a uma mesa, tendo à sua frente papel e lápis e se dispuser a transpor para este papel os acontecimentos do dia, bem como os sentimentos e pensamentos que os acompanharam, ao chegar ao final de sua vida terá escrito uma obra que, em virtude do número de folhas poderá ser dividido em diversos volumes. E se é verdade que a arte imita a realidade, teríamos uma obra como querem àqueles professores, isto é, com princípio, meio e fim. Tal obra, que pode ser chamado de “diário”, refletiria a unidade ou não da vida, a existência ou não daquilo que tanto se discute: se existe destino - a existência de uma finalidade para a vida de cada um.
      Porém, acho que as pessoas gostam de ver objetivo em tudo, – e principalmente – em suas próprias vidas e, assim, vamos enganando-nos com obras de ficção que, se olharmos bem -  na sua grande maioria acabam bem, isto é, “E foram felizes para sempre”.
      A cadeia de procedimentos formais para escrever uma obra literária manteve-se, durante todo esse tempo, presa a fórmulas. É hora da libertação. O que se ganha com isso? No mínimo, quando chegar ao fim da vida, saberemos se houve uma unidade nela e se teve algum propósito. Saberemos se realizamos alguma coisa. Não nos entreguemos mais a realizações pequenas e passageiras que nos proporcionam a satisfação menor de haver realizado algo, de ter conseguido qualquer coisa. Não. Penso ser necessário ver mais longe, viver mais plenamente.
      Não criar uma trama, mas desejar saber se existe, de fato, uma trama. Penso que um bom livro é aquele que narra experiências comuns a todo ser humano -, não importando se são experiências triviais, pois, na verdade, para aqueles que passam por elas, elas não o são - estão carregadas de emoções.
      Cada vida trás em si um livro. Não devemos querer nos iludir com historinhas. Antes, devemos retirar o véu e enxergar o real. Não devemos, para nossa própria felicidade, viver de mentiras. Por que pensar que no final tudo acaba bem (ou mal)? Por que pensar que há um final? Vivemos diversas tramas durante nossa vida e não somente uma. O que queremos saber é se as uniões dessas pequenas e numerosas tramas formam uma trama maior e única, a que chamamos de destino.
       A maneira tradicional de se escrever um livro não contribui para o crescimento daqueles que o leem, antes pelo contrário, embota e ilude, fazendo-os acreditar em padrões de sentimentos e comportamentos.
      Na verdade, a coesão social, a vida em grupo é beneficiada, pois, evita atritos entre as pessoas, graças à chamada opinião pública, que empresta uma ideia de harmonia, mas que, na realidade nada mais é do que conformidade e apatia.
Assim, penso que desse universo nada de novo pode sair e que contribua para a dignidade do ser humano. Tal estado de coisas só beneficia (?) a manutenção de uma sociedade estagnada, em uma época de trevas mentais profundas.

      O cigarro queima no cinzeiro. A Claudiane disse que vai começar a escrever um Diário. Estou à janela e são dez horas. É outono. Sopra uma brisa suave que vem refrescar meu rosto. Sinto-me leve e tudo parece estar calmo lá fora. E também dentro de mim. Acho que isso de deve ao fato haver escrito estas linhas – haver tornado consciente aquilo que ainda não o era plenamente. Acredito que, na medida em que conseguimos descrever com palavras os sentimentos que jazem no mais profundo de nosso ser, mais aproximaremos os opostos que lutam dentro de nós pela supremacia do controle de nossas almas e - quem sabe? - talvez assim, consigamos a assinatura de um tratado de paz que nos possibilite ser feliz.

      Agora vou dormir.
      Boa noite!


EP. Gheramer

Site pessoal: Palavras ao Vento

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