Meu Sítio do Pica-Pau Amarelo
Aos cinco anos de idade ganhei meu primeiro
livro. Lembro-me das noites em que ficávamos sentados ao redor de nossa mãe,
ouvindo a leitura das aventuras contadas no livro “Caçadas de Pedrinho”, de
Monteiro Lobato, que aconteciam lá pelos lados do sítio de dona Benta.
Depois desse empurrão inicial nunca mais
deixei de ter um livro em minhas mãos. No princípio eu os pegava emprestados na
Biblioteca Pública de Niterói e foi lá que continuei a conhecer o mundo dos
autores.
Nunca mais parei. Lia tudo o que me caia às
mãos sem nenhuma orientação explícita, porém, implícitas, e que descobri muito
depois. Depois dos livros da biblioteca, veio as livraria onde se compram e vendem
livros usados – os sebos – aonde ia
com meu pai para comprar seus livros e aos quais passei a ser frequentador
assíduo.
Aprendi com a vida e aprendi com os livros.
Aprendi no dia a dia e ao longo da vida. Era nos livros que buscava,
avidamente, respostas às minhas indagações e, ao encontrá-las, sentia uma
sensação de alívio que me dava a certeza de que eu estava certo sobre tal ou
qual questão – pensava eu, então. Só aos poucos, com o passar do tempo, fiquei
sabendo que não era bem assim. Dentro de mim, eu sentia, de maneira vaga e
inconsciente, que eu não pensava com os “meus próprios botões”. Percebia, de
maneira não muita clara, que havia algo de errado ou de incompleto - não sabia
bem. Somente uma sensação de que eu pensava com aquilo que aprendera lendo o
pensamento autores dos livros que até então eu havia lido. Era como se eu
tivesse me apropriado de seus pensamentos e não dos meus. Eu não tinha
pensamentos próprios. Foi quando comecei a questionar o que eu chamava de “meu
conhecimento”. Não era meu aquele conhecimento adquirido através dos livros,
ele era de outros e que eu apenas gravava e repetia.
Triste de mim! Eu não era livre como pensava
ser. A pergunta a ser respondida passou a ser: quais os autores eu havia lido,
de quais países eram por que eles pensavam como pensavam. Minha leitura, além
de tornar-se rigidamente crítica, eu sentia uma enorme necessidade de saber
quem eu era, e, o mais importante, o que eu realmente pensava por conta
própria.
Lembro-me que esta foi a primeira crise séria
pela qual passei e com a qual muito sofri e ao mesmo tempo, com a que eu mais
cresci.
A nossa literatura era quase toda composta de
autores norte-americanos. Desde as revistas vendidas em bancas de jornal para
as crianças até os livros nas livrarias e bibliotecas. Quão estreito e limitado
era o meu saber – não digo de todos, porque não posso provar isso. Lembro que
senti uma grande necessidade de me livrar, de me despir daquilo tudo. Mas como
se despe a própria pele? Tinha vinte e poucos anos e ainda não pensava por mim
mesmo. Foi terrível aquela sensação.
Eu não podia, mesmo querendo, apagar da minha
mente aquele modo aprendido de pensar e de sentir a vida. Por outro lado –
pensava eu -, nem tudo poderia ser ruim, pois, afinal, o povo norte-americano
também era formado por seres humanos como eu. Só uma coisa fazia a tremenda
desvantagem: eu era o elemento passivo nessa relação – o receptor, a pedra
bruta que fora lapidada desde a infância,
mal saíra do ventre materno.
O começo de minha emancipação teve início
quando certos brasileiros, com seus ideais e comportamentos corajosos, fizeram
acontecer o que ficou conhecido pela poder dominante como a Revolução de 64 e
os posteriores e nefastos anos de ditadura militar. Mas, se foi nefasta, foi
também a oportunidade para muitos de nós, que não participaram dos diferentes
movimentos que provocaram o Golpe, de terem seus olhos abertos para o atual
estado em que se encontravam dominados culturalmente, também.
Foi dessa época o início da minha libertação
– e acredito de muitos outros – do colonialismo cultural, que é a pior forma de
colonialismo, pois, depois de formar sua mente, deixa a ela mesma a tarefa de
comandar os seus pensamento e atos. Se for possível alguém pensar, de forma
absoluta, por si mesmo, eu diria que foi daí em diante que pude começar a me
libertar e a pensar por mim mesmo, também de forma absoluta. Muito devo – só
posso falar por mim - a esses brasileiros corajosos que vieram antes de mim.
E como sempre acontece, a vida continuou. Mas
de uma forma diferente, pois ocorrera uma mudança nas mentes. Para alguns, a
mudança foi sentida como grande e para outros, foi pequena, e ainda para outros,
nada mudara. Não estou dizendo com isso que tudo se tornou fácil e belo ou que
o sapo transformou-se em príncipe depois de beijado pela princesa. De modo
algum. Mas, a liberdade requer vigilância.
Tais acontecimentos fizeram com que eu repensasse a ideia
de não mais escrever. Devo à leitura dos livros de H.D. Thoreau, meus livros de
cabeceira desde a adolescência esta tomada de consciência.
Ainda há um mundo a ser redescoberto e descrito. Há muito
a fazer para desmascarar a Conspiração Silenciosa,
da qual nos falou Tolstoi. Como antes, ainda são necessários homens corajosos
para essa nova época.
A humanidade só presenciou o surgimento de um lindo botão
do qual precisa cuidar para que a flor, finalmente, desabroche. Há um falso
cristianismo a ser desmascarado, para que a luz da verdade possa chegar ao
coração do homem, fazendo com que desabroche num lindo amanhecer.
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