O PROJETO - Capítulo 8
A gargalhada de Quiriat ainda ressoava quando, subitamente,
vindo de fora da casa e entrando pela janela, uma luz azulada inundou toda a
sala. Desde a saída dos jornalistas, ufólogos e outros curiosos, aquele
fenômeno cessara e somente agora reaparecia. Porém, a não ser pela interrupção
da gargalhada, o acontecido não perturbou o grupo que estava na sala, sentados
ao redor da mesa. Todos ali sabiam o que significava: havia sido aberta uma
brecha no espaço tempo, permitindo a passagem entre dimensões paralelas. Se
algo, humano ou sobre-humano, passaria por ela, isso ainda não se podia saber.
E a conversa prosseguiu normalmente. Todos estavam ali com o mesmo objetivo.
- Desculpe-me, eu não quis ofendê-los com meu riso –
disse Quiriat dirigindo-se ao grupo. Acontece que fui pego de surpresa, pois,
enquanto eu falava, eu me referia a um tempo remoto e Alves falara com
referência ao seu próprio tempo, isto é, o tempo desta dimensão em estamos
conversando agora. Mais uma vez, peço desculpas a todos pela minha
insensibilidade – disse Quiriat.
- Eu dava um exemplo, quando falava das revoluções
francesa e comunista. Onde está a graça disso? – Disse Alves.
- Não é que tivesse alguma graça no que falou. Na
verdade, eu ri de mim mesmo, pois eu pensava em outra rebelião. Esta sim... –
dizia Quiriat quando foi interrompido por Alves.
- Como assim? Acaso acha que as revoluções que
mencionei não foram significativas e mudaram o rumo da civilização? – Disse
Alves.
- Não disse isso. É que elas são insignificantes quando
são comparadas com a que eu estou me referindo e que aconteceu nas regiões extradimensionais.
As que foram mencionadas são meras rebeliões humanas e não têm o alcance daquela
a que eu me refiro, no que diz respeito ao destino da Humanidade. Estas, meus
caros amigos, são como as rebeliões de aldeões contra senhores feudais, as
religiosas e as anarquistas, que não obedecem qualquer plano prévio, exceto que
a tudo destroem com a esperança ingênua de que algo melhor venha tomar o lugar
do que foi destruído – disse Quiriat.
- E o que me diz de um Golpe de Estado ou da insurreição
da massa? – Perguntou João.
- Nada mudam. Os Golpes de Estado são inspirados por
uma minoria rica e quanto às insurreições, dá no mesmo, embora geralmente
iniciadas por guerra de guerrilhas, elas também dirigidas por alguns poucos
poderosos que somente procuram obter o apoio popular – disse Quiriat.
- E as religiosas? Devo lembrar que a igreja cristã
tem promovido várias revoluções – Disse Maria, que até então estivera apenas
acompanhando o diálogo entre Alves e Quiriat.
- Sim, é verdade. Mas, também é curioso que em todas
elas, os exércitos em marcha sempre pedem que o seu Deus os ajude... – falava
João, quando foi interrompido.
– E tornou-se uma tradição o lado vencedor atribuir a
vitória como resultante da benção divina – completou Quiriat.
- Sim, mas vocês hão de concordar que em muitos casos
elas se têm mostrado por demais pacíficas, ou mesmo acovardadas, diante dos
grandes males sociais – disse Alves.
- Este é o ponto onde eu queria chegar. Dificilmente o
Novo Testamento pode ser usado como texto de orientação para tais revoluções,
embora muitos religiosos sintam em suas consciências, e até afirmem, que certas
guerras são justas – disse Maria.
- Justas?! Pode ser correto e justo um país enviar
tropas com o propósito específico de matar homens e a população em geral de
outros países? – Disse Alves, ainda sem querer acreditar no que acabara de
ouvir.
- Os pacifistas respondem com um sonoro “não”! – Disse
João.
- É justamente aí, e com certa razão, que aqueles que
afirmam que há guerras justas, respondem de modo imediato dizendo que os
pacifistas alegram-se em participar da liberdade e dos benefícios de uma guerra
da qual eles não quiseram participar – disse Maria, como a concluir o que
dissera antes.
- Se é esse o caso, eu sugiro que coloquemos a questão
de outra forma: sob que circunstâncias podem-se preferir cometer um erro menor,
a fim de evitar um erro maior? – Disse Quiriat, olhando para cada um ao redor
da mesa, como se quisesse atingir seus corações.
Foi somente depois de um breve silêncio, pois aquelas
palavras pareciam ter atingido os alvos pretendidos, foi que Alves se
manifestou.
- Não é fácil uma resposta a essa pergunta. Mas, eu
penso que problemas gigantescos não têm respostas fáceis e simples, se é que tem
uma para esta questão. Quando a matança em massa está envolvida, parece
indiscutível que ninguém jamais poderá definir, de forma adequada e
convincente, no que consistiria uma guerra como sendo “justa”. Porém, piores
ainda são as chamadas “guerras santas”, quando os homens enganam a si mesmos,
ao pensarem que a guerra deve ser feita em nome de Deus e em defesa da fé
religiosa, qualquer que seja a religião. Somente fanáticos iniciam as “guerras
santas”, pelo que de santas elas só têm o nome.
- Uma vez que a conversa tomou este rumo, eu não sei
se têm notado, mas, ultimamente, neste tempo dimensional em que nos
encontramos, devido a muitos movimentos revolucionários no mundo, a religião
está em seu centro forte e giratório, nas muitas chamadas Conferências de Paz,
atuando em todos os continentes e em alguns dos lugares mais conturbados do
planeta e disso resulta o que eles dizem ser a aplicação de padrões e
esperanças cristãs aos esforços revolucionários – Disse Quiriat.
- Eu tenho pensado ultimamente sobre isso, mas depois
do que falou, vejo que não dei a devida atenção ao assunto. Apesar de haver
muitos e grandes males sociais a evitar, muitas vezes as forças de oposição são
elas mesmas, malignas, ateias e antialma, que vêm substituir as antigas
opressões com novas opressões, as antigas ditaduras com novas ditaduras e
promovem revoluções militares, mas que não tem nada acerca do que me parece ser
o mais importante, da revolução moral ou, se preferir, espiritual – disse
Alves.
- Na realidade, seus atos manifestam-se de modo oposto
aos ensinamentos de Cristo, como são encontrados na Bíblia – disse Maria.
- Historicamente, isto mais parece com uma variedade
de anarquismo cristão que, presumivelmente, deriva seus princípios dos
ensinamentos de Cristo, advogando a total isenção de leis humanas, como sendo
inerente à liberdade dada por Cristo. Proponentes desta variedade de anarquismo
puderam ser encontrados no passado entre os Levelers e Diggers, os Anabatistas,
os Daukhobors entre outros. Um escritor político inglês, William Godwin, na
década de 1790, chegou a escrever que o progresso moral do homem seria gradual
e terminaria no anarquismo. Está tudo na Internet, para quem quiser saber –
Disse João.
- Mas... Há sempre um “mas”...
Continua...
EP. Gheramer
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