O PROJETO - Capítulo 6



Há muitos dias Quiriat não aparecia para a conversa habitual, embora todas as noites Alves colocasse a cadeira na varanda. Exceto por causa disso, sua vida transcorria normalmente, com suas costumeiras caminhadas pela praia, percorrendo distancias maiores.
Com a entrada do verão, começaram a surgir aqui e ali, barracas onde grupos de pessoas ficavam acampados. Alguns ficavam somente os finais de semana, já outros permaneciam por mais tempo.
Em suas caminhadas, Alves nunca chegara tão longe e foi neste dia que percebeu por sobre a vegetação  que se estendia por toda extensão da praia, algo como uma laje. Logo viria a conhecer os vizinhos que não sabia que tinha, embora distantes.
Eles eram um casal de missionários que depois de percorrer o mundo, pregando a fé cristã, resolveram se recolherem para viver suas vidas reservadamente ou – quem sabe - conhecer um pouco de seus próprios mundos interiores.
Não tardou para que viessem a travar amizade quando, certa vez em que João e Maria caminhavam pela praia de mãos dadas, encontraram com Alves e, por razões que não mais se lembravam, deu início a uma relação que duraria.
Suas conversas, que a princípio aconteciam sentados na areia da praia em torno de uma fogueira, assando e comendo os peixes que haviam acabado de pescar, logo se estenderam às suas respectivas casas. Da primeira vez em que Alves fora convidado, pode ver que sobre a laje da casa havia uma luneta que mais parecia um telescópio, dado o seu tamanho. Sua impressão foi confirmada quando ficou sabendo que vieram morar ali porque havia chegado a seus ouvidos, que naquela região foram observados certos fenômenos como os de uma luminosidade de cor azul no céu e que o povo do lugar achava estranha e a imprensa noticiara, fazendo com que a curiosidade fosse aguçada por pessoas ligadas a grupos que acompanhavam as supostas aparições de objetos que, segundo eles, seriam de seres extraterrestres. Mas, para decepção de todos, tais fenômenos cessaram desde que eles chegaram. Tais pessoas vieram de outras cidades e até de outros países e não confirmando o boato, não demoraram em deixar o lugar. Só João e Maria ficaram por ali, não pelo motivo que Alves havia suposto, mas, sim, porque ficaram encantados pela beleza do lugar.
Enquanto tomavam um chá, de um raro tom verde azulado, que o casal trouxera da China, a conversa naquela noite girou em torno daquelas pessoas que deixaram o lugar.
- Estivemos conversando um pouco antes de você chegar, a respeito do que trouxe estas pessoas a este lugar e pensamos em perguntar se você acredita nisso, isto é, se acredita que são seres extraterrestres que aparecem por ocasião do surgimento da luz azul no céu? – Perguntou Maria, dirigindo-se a Alves depois de olhar para João.
- Não, não acredito em seres vindos de outros planetas ou galáxias – disse Alves dando um leve sorriso, depois de saborear um gole de chá e olhar para Pafúncio, que dormitava ao pé de sua cadeira.
- Já que somos vizinhos e agora amigos, nós não precisamos fingir que não sabemos que seres, no mínimo diferentes, aparecem e desaparecem por ocasião do aparecimento da luz. Não é verdade? – Disse João.
Por um breve momento, Alves se lembrou de Quiriat e do que os dois já haviam presenciado, quando estavam a conversar em sua varanda.
- Se não é um blefe, um ardil, seria possível dizer que vivem aqui na Terra. Talvez vivam numa dimensão paralela e que passam por uma abertura entre a dimensão em que vivem e a que nós vivemos – disse Alves, ainda receoso do efeito de sua resposta.
- Nós já viajamos por este mundo todo e podemos afirmar que não são seres humanos – disse Maria.
- São seres sobrenaturais que podem assumir a forma de seres humanos quando entram em nossa dimensão. E eles não estão a passeio – Disse João, enquanto Maria tomava seu chá olhando para Alves.
- Vocês estão se referindo a algo que não é conhecido senão pela fé? – Disse Alves.
- Não necessariamente. Também pode ser reconhecido por alguns tipos de pessoas e se você admite uma dimensão diferente da nossa, talvez seja uma delas – disse João.
- Você falou numa “brecha” entre duas dimensões diferentes e que eles passam por ela. Se estiver afirmando isso, é porque já teve esta experiência e saiba que alguns chegam e outros vão – Continuou João.
Alves nunca sentiu tanto a falta de ter Quiriat ao seu lado, como sentia naquele momento.
- Em certas circunstâncias, talvez possamos dizer isso. Mas, eu penso que o mais importante é saber se podemos ter a certeza de que tais dimensões ocupam um mesmo espaço em tempos diferentes. Se for possível provar que podem coexistir, então tudo ficaria mais fácil de ser entendido – disse Alves.
- Como missionários nós tivemos a oportunidade de comprovar, que em todas as diferentes culturas que conhecemos existem crenças que atribuem a existência do nosso mundo como sendo o resultado das lutas de múltiplos deuses – Disse Maria.
- Sim, é verdade. Nós, particularmente, acreditamos que o universo físico veio a existir a partir de outro não físico – disse João.
- O que acaba de dizer coincide com o que a maioria das pessoas chama de mundo espiritual. Seria outra dimensão existencial – disse Alves.
- Se nosso raciocínio está correto, então estamos mais próximos de descobrir a verdade. Não seria mais uma questão de fé – disse João.
- Como missionários que são, o que o cristianismo tem a dizer sobre isso? – Disse Alves.

Continua...

 EP. Gheramer





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