O PROJETO - Capítulo 5
Alves fazia longas
caminhadas pela praia e naquela manhã resolvera pescar. Como apanhara muitos
peixes, parou para fritá-los numa pequena fogueira improvisada com pedras e
gravetos encontrados ali mesmo.
À noite ele saiu
para passear sem rumo. Já era noite alta quando chegou ao local onde fritara os
peixes naquela manhã. Sentado na areia com Pafúncio ao lado, ficou a ouvir o
barulho das ondas e a pensar na sua vida atual. Ele se considerava um indivíduo
à parte, não conformista do pensamento. Já então, havia aprendido que os
moradores do lugarejo o consideravam como um excêntrico, mais ou menos um
vadio. Foi um tipo de descoberta que cedo ou tarde fazem todos os solitários.
Isso contribuía para firmar sua resolução há muito latente: a de colocar alguma
distância entre ele e os moradores.
Lembrava-se do que
lhe dissera o Velho, quando lhe contou sobre o lugar onde iria morar quando
saísse do hospital: “Não vejo para você outro lugar neste mundo a não ser lá;
vá para lá, arranje uma casa e comece o grande processo de devorar-se vivo.”. A
este pensamento, não pode deixar de sorrir.
Quanto a casa em que
morava, era um lugar comum. Não havia fechaduras na porta, nem cortinas nas
janelas, e ela pertencia tanto à natureza ao redor quanto a Alves. Era grande o
bastante para uma pessoa, como o pudim de pão que costumava comprar na padaria.
Gostava de pensar nela como uma guarita, pronta a enfrentar chuva, vento e
frio. Dentro dela, Alves colocara uma cama, uma mesa, alguns utensílios e duas
cadeiras. Usava uma delas para anunciar que estava à disposição de algum
visitante, colocando-a na varanda do lado de fora. Costumava pensar: se não
estou bem certo aqui, estou menos errado que antes; e agora, vamos ver o que
vou conseguir.
Levava uma vida
prazerosa em sua liberdade, sua solidão. Raramente ia ao lugarejo buscar comida
que não fora cozinhada por suas mãos, feita em seu próprio fogão. Nunca
pretendera ser um eremita. Tinha apenas estabelecido ali um posto de escuta,
mantendo um pé nos limites da vila – de modo a poder recuar em qualquer direção,
como ditasse a sua vontade.
E nas noites em que
o céu sobre sua casa ficava iluminado - coisa considerada estranha pelos
moradores -, como num encontrado marcado, Quiriat aparecia e ficavam a
conversar, continuando do ponto em que parara anteriormente. E assim foi
naquela noite.
- Quem era aquele
ancião que falava ao grupo? – Disse Alves.
- Malak? Malak é
apenas um, dentre muitos seres não naturais, vindo das trevas mais profundas.
Não é um ser humano, pelo menos não completamente. É um ser híbrido nascido da
união entre seres sobrenaturais e a raça humana – disse Quiriat.
- O que está dizendo
se parece muito com o que é encontrado em textos escritos na antiguidade: anjos
caídos que mantiveram relações sexuais com humanos. Na verdade, é um mito
bíblico que descreve a queda de Satanás e seus anjos do céu em direção a terra.
Os estudiosos de renome não confirmam isso e muito menos os estudos
científicos, utilizando-se do Carbono 14. Eu não acredito nisso – disse Alves.
- Mas, se ele
existir, esteja certo que ele acredita e conhece você – disse Quiriat.
- Além disso, como
você sabe todas as coisas que vem me falando desde que nos conhecemos? Aliás,
foi muito estranha a maneira como você apareceu em meu portão, naquela noite de
tempestade e na qual eu tive aquela visão – Disse Alves.
- Você quer provas?
Quer provas físicas da existência do que não tem existência física na dimensão
em que você vive. Eles existem em outra dimensão. Você me faz lembrar Gideão,
que conheci na antiguidade e que me pediu um “sinal” – disse Quiriat.
- Não tens cinquenta
anos, e diz ter conhecido alguém na antiguidade? – Disse Alves.
- Pois, acredite.
Antes que ele existisse, eu já existia – respondeu Quiriat.
Durante o silêncio
que se fez após a resposta de Quiriat, uma luminosidade como a de muitos
relâmpagos juntos, clareou todo o céu e assim permaneceu enquanto durou o
silêncio entre os dois. E foi somente depois disso, que Alves voltou a falar.
- Por que me conta
tais fantasias e ainda quer que eu acredite nelas? – Disse Alves.
- Porque você possui
a capacidade de crer e isso é um dom – disse Quiriat.
- Isto é um dom?!
Mais se parece com a loucura! – Disse Alves.
- Não se espante com
isso. Porque as coisas loucas, desta dimensão em que você vive, foram
escolhidas para confundir as sábias – disse Quiriat e continuou – e você é um
dos escolhidos. Não é somente você. Muito ainda há para mostrar a todos os
homens que têm esse dom – disse Quiriat.
- Mas, por que eu? –
Disse Alves.
- Não é você que faz
muitas perguntas? Você e outros sedentos que não aceitam passivamente as
injustiças praticadas contra a humanidade. Somente a esses, aos insatisfeitos,
é que são revelados os segredos, muitos deles guardados desde a fundação do
mundo – disse Quiriat a Alves que, estarrecido, permanecia calado.
Ainda tonto, diante
do que acabara de presenciar e ouvira da boca de Quiriat, Alves contou-lhe um
sonho que tivera na noite anterior.
- No sonho,
encontrava-me na mais completa escuridão e lembro que sentia medo, muito medo.
Foi quando vi surgir, duma fresta na porta, uma luz semelhante a esta que vimos
agora e dela saiu uma voz que dizia: “Gideão, você livrará este povo por minha
mão” e eu vi ao lado, ainda na escuridão, um ser parecido com um homem e logo
depois eu pude ver que ele se parecia com você Quiriat. Foi quando acordei e percebi
que fora apenas um sonho.
- E agora esta luz
no céu e você falando que conheceu um homem com este mesmo nome... Afinal, quem
é você e de onde vem? – Disse Alves, aflito.
- Há coisas que aos
seus ouvidos parecerão muito estranhas, e até mesmo impossíveis de acreditar.
Porém, se souber esperar o tempo determinado, acabará por compreender. Existem
muitos portais interdimensionais que, em períodos regulares, são abertos
permitindo a comunicação entre as várias dimensões existentes. Eu vim de uma
delas, juntamente com outros seres sobrenaturais. Mas, não sou como eles.
Quando eu tomei consciência de que fora enganado não fiz o juramento com a mão
sobre o “Livro da Lei” de seu Líder. Percebendo isso, ele me expulsou de sua
presença dizendo-me: “Não herdarás nem o poder e nem a sabedoria que estão
reservados aos da minha casa.” – disse Quiriat.
- Não me parece tão
inacreditável, pois, eu mesmo já havia pensado na possibilidade da existência
de algo semelhante! Mas, diga-me: há outros como você? – Disse Alves.
- Isso ninguém sabe.
Mas, o que sei é que há muitos portais espalhados pelo mundo, permitindo o
intercâmbio entre as diversas dimensões e pelos quais alguns já passaram e
outros podem passar, saindo ou entrando – disse Quiriat.
- Mas, quanto a
estes seres, o que querem eles aqui? – Perguntou Alves.
- Querem ganhar a
mente dos homens para que não vejam através das ilusões, dos enganos e das
mentiras e, com isso, ganhar poder econômico e político, visando interesses
ainda maiores em médio prazo e, por último, alcançar o maior de todos... –
disse Quiriat.
- Mas, por que
querem isso e que interesse maior é esse? – Disse Alves, ainda perplexo diante
de tais revelações.
- No tempo certo
você saberá. Por enquanto, fique atento ao seguinte: uma mentira repetida mil
vezes, torna-se verdade – disse Quiriat.
Continua...
EP. Gheramer
Comentários
Postar um comentário