FORASTEIROS e PEREGRINOS
Por trás de montes e
vales, em terras distantes, há uma cidade pela qual passa um trem apenas uma
vez a cada quarenta anos. E, ao passar, só para na estação se houver algum
passageiro para embarcar ou para desembarcar, e nunca houve. Da última vez em
que o trem parou, quarenta anos atrás, se algum passageiro desceu ou subiu
ninguém sabia; só quem sabia era o próprio que, porventura, embarcara ou
desembarcara.
Assim também aconteceria daqui a cinco dias,
quando se completariam os quarenta anos desde a sua última passagem daquele
trem por aquele lugar. Quem embarcaria? Alguém desembarcaria?
Ali, embora todos se
conhecessem, cada um não sabia os nomes dos demais habitantes. Cada um cuidava
da sua própria vida; quanto ao mais, não era da conta de ninguém.
Os cinco dias se
passaram e logo pela manhã, a locomotiva despontou na curva, lá longe na linha
férrea, onde a vista mal alcançava e parou na velha estação, com suas paredes
envelhecidas pelo tempo, depois de dar dois apitos que puderam ser ouvidos por
todos, onde quer que esteja cada um de seus habitantes, pois a cidade era
pequena. Porém, sua parada fora rápida e em seguida, com mais dois apitos,
continuou seu trajeto. Parou somente o tempo necessário para um passageiro desembarcar.
Parado na estação
deserta, Benjamim acompanhou com os olhos a partida do trem até perdê-lo de
vista. Em seguida, tomando sua mala, até então apoiada no chão ao seu lado,
pôs-se a andar pela estação em direção ao que lhe pareceu ser a rua principal
da cidade. Ao chegar encontrou-se numa rua comprida, com o asfalto desgastado e
com apenas uma casa à sua margem, do lado direito. Não ficou surpreendido,
pois, era justamente o tipo de lugar que esperava encontrar. Depois de andar
por algumas horas foi encontrando, aqui e ali, pequenas construções separadas
umas das outras por grandes distâncias, mas, não viu viva alma enquanto
caminhava.
O lugar parecia-se
com aquelas Cidades de Refúgio sobre as quais havia lido e que existiam nos
países antigos que eram, essencialmente, medidas judiciais auxiliares, para
ajudar o escape dos homicidas involuntários. Visto que o código de vingança era
forte, os parentes de uma pessoa morta por outrem matavam sem misericórdia o
culpado pelo homicídio, sem temer qualquer ação da parte da lei. A lei da retribuição, em Israel, requeria
punição igual ao crime.
Ocorreu-lhe que não
era muito diferente daquilo que acontecia nos dias de hoje nos grandes centros
urbanos, com seus apelos ao preconceito racial, sexual, religioso, ao fervor
nacionalista raivoso que perseguiam aqueles que tinham uma conduta diferente da
moral estabelecida. As pessoas tinham a necessidade de se agarrarem a certezas,
porque tinham a necessidade de pertencer a alguma coisa, a algum grupo. É a
necessidade de dividirem sua incapacidade de serem elas mesmas sozinhas. Era a
questão do quem eu sou, se sou bom ou mau, bem sucedido ou não. E sempre fora
assim, a presunção de saber o que é o Bem e o que é o Mal levou o homem a ter
uma existência marcada pela culpa e pela vergonha, ao mesmo tempo em que roubou
a paz de ser uma pessoa e impingiu uma moral coletiva que impede de prosseguir
para uma consciência de ser enquanto indivíduo. Mas, diferentemente dos tempos
antigos, não encontram refúgio como encontravam nas igrejas, santuários e nos
lugares considerados santos, de todas as variedades religiosas. É uma ilusão a
segurança encontrada hoje em tais lugares, porque só a encontra na moral
coletiva e fora dela não há salvação. Ou você faz parte ou fica só, torna-se um
forasteiro e peregrino. E isto pode ser insuportável...
Continua...
EP. Gheramer
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